quarta-feira, dezembro 26, 2007

Velha senhora - parte 1

--- Na verdade -- ela dizia em tom de confidência, aproximando seu rosto do meu, -- na verdade, o ovo da fênix é uma pedrinha vermelha e fria.
Ela se recostou no banco satisfeita. Eu não soube o que responder. Percebendo minha confusão, a velha explicou.
--- Eu sei, todo mundo pensa que o ovo é preto e quente como um naco de carvão. Mas não é, -- aproximou o rosto novamente. Pude sentir seu hálito e me perguntei quantos anos teria -- é vermelho e frio e parece uma pedra.
Existem pessoas que são verdadeiros imãs de malucos e excênticos. Pessoas que não dão dois passos sem ser abordado por alguém que tenha sido abduzido por etês ou descoberto a cura do autismo. Eu não sou uma dessas pessoas. Me sentei no banco para amarrar o tênis. Normalmente eu apoiaria o pé em alguma grade (tenho certo nojo de bancos de rua) mas o banco estava por perto e havia uma senhora sentada nele. Uma senhora distinta, como se diz, de classe média decadente, uma dessas senhoras que já foram ricas mas ao perderem o marido, perderam também o resto. A senhora sorriu pra mim; eu lhe sorri de volta. Sentei, amarrei o tênis.
--- Dia bonito, não é? -- ela comentou.
--- É -- respondi.
--- Bom que o frio passou.
--- Está mais quente mesmo.
Eu estava desconfortável. Não costumo falar com estranhos. Depois de alguns segundos pareceu que ela não iria continuar a conversa. Fiz menção de levantar e ela me cutucou de leve com o cotovelo.
--- Está vendo aquele pombo?
--- Aquele? -- perguntei.
--- Aquele ali, o menorzinho.
--- Ah sei -- fiz. E como ela não continuasse, olhei pra ela -- o que tem ele?
--- Não é ele, é ela -- a velha respondeu. Aproximou o rosto do meu e, baixando a voz, continuou -- é um pomba e tem um ninho ali naquela árvore.
Fique surpreso, nunca vi um ninho de pombo.
--- Ninho? -- duvidei -- E como a senhora sabe?
--- Tem um ninho sim -- ela confimou. -- Nunca viu ovo de pombo?
Fiz que não com a cabeça.
--- É desse tamanho assim -- afastou os dedos para mostrar -- e cheio de pintinhas.
Vendo minha desconfiança, ela continuou:
--- Eu conheço tudo que é tipo de ovo. Meu marido era ornitólogo. Sabe o que é isso? Que estuda aves. Ovo de ema, por exemplo, é desse tamanhão assim -- fez com as mãos -- e é branco.
Aí eu percebi que tinha sido pego. Eu estava sentado em um banco de rua ao lado de uma senhora desconhecida falando sobre ovos. Tinha saído de casa para tomar um suco. Ia tomar o suco e voltar pra casa onde um relatório me esperava para ser terminado. O suco na verdade era um pretexto: eu só queria sair de casa um pouco.
--- Já ouviu falar de fênix? -- ela perguntou.
Olhei para ela confuso. Claro que eu sabia o que era a fênix.
--- Fênix é o mítico pássaro de fogo que morre e renasce de suas própria cinzas a cada era do mundo -- ela explicou. Falava como se tivesse memorizado um verbete de enciclopédia. -- A cada era ela morre e seu corpo se desfaz em cinzas e das cinzas surge um ovo. O ovo da fênix.

* * *

terça-feira, dezembro 11, 2007

Poemas de tomar conta de prova

Uma hora se passou
e depois mais uma hora
e a estas duas horas,
ainda meia se juntou.
Mas a hora de ir embora,
esta ainda não chegou.

* * *

Eles fazem a prova devagar.
Quão terrível é Galois?
São cinco questões apenas,
sendo duas quase iguais!

A de verdadeiro ou falso é de graça
e a última é só uma conta.
Só duas precisam de raça.
Será que esta turma me desaponta?

* * *

Eles pensam, pensam e pensam.
Escrevem, escrevem, escrevem.
Pensam um pouco mais
e apagam com vontade.

Será que a borracha
que se espalha pelo chão
é sinal de que nessa prova
eu também errei na mão?

* * *

Uma hora ainda falta
pro suplício terminar;
uma hora inteira falta
pra eu poder ir almoçar.

sábado, dezembro 08, 2007

Cuidado: Frágil

Ele pensou que ia ser fácil. "Fácil, fácil" pensou. "Molezinha, canja de galinha" pensou, e riu porque lembrou da infância, do "é canja, é canja, é canja de galinha, arranja outro time pra jogar na nossa linha!" E ele sempre na torcida com as meninas, nunca jogando. "Você tem a saúde frágil" a mãe dizia, "não pode fazer esforço." Porque ele teve pneumonia quando era pequeno, quase morreu. Ele não se sentia frágil, na verdade não, mas sempre tinha medo que um esforço maior o matasse. E quando ele fazia alguma coisa, digamos, alguma atividade física, e ele sempre fazia atividades físicas, ainda que não jogasse futebol com os garotos, quando fazia e seu coração disparava a bater rápido, tão rápido e ele ficava com medo que parasse. Sempre imaginava que ia parar e ele ia morrer e a mãe ia descobrir e dizer "mas eu não disse que você não podia fazer esforço, atividade física!" e a mãe ia chorar até ficar com os olhos inchados e o nariz vermelho, que nem quando a avó dele morreu.

Olhou mais uma vez em volta. Ninguém, tudo parado. Abriu devagar a janela. Passou uma perna, depois a outra. De um pulo estava dentro da casa. Encostou a janela e acendeu a lanterna. Sabia onde ficava o cofre, até a combinação o burro tinha dito a ele. Burro. Pé ante pé seguiu até o escritório e nem precisava de tanto cuidado; o velho estava na Europa e ainda disse que trazia um vinho pra ele. "Vinho bom, não é essa porcaria que você bebe." E ele riu. Pegou tudo que achou no cofre e pôs na mochila, até uns papéis que deviam ser ações, sei lá, gente rica tem sempre ações. Saiu como entrou, tomando o cuidado de não mexer em mais nada. Saiu e desatou a correr. O coração acelerado da corrida e ele ofegando, correndo e rindo. "Frágil nada."