terça-feira, janeiro 31, 2006

Era uma vez

Era uma vez uma joaninha, tão matreira e catita.
Era alegre e saltitante, o pequenino mutante.
Toda preta como a seda, mas vermelha como o leão.
Um inseto que voava, em meio à multidão.
Voava mas não nadava, ó triste sina, coitada.
Caiu num copo de leite, e assim morreu afogada.

---XXX---

Era uma vez um reinado,
num país muito distante,
onde morreu afogado
um inseto saltitante.

Era rico o reino,
e rico era o rei,
mas cá pra nós, só em segredo,
eu acho que o rei era gay.

---XXX---

Era uma vez um amante,
que amava o seu amado,
e de tanto amar e ser amado
ficou com dor de cabeça.

Seu amor, desesperado,
para acabar com a chorumela
de seu viado amado
deu-lhe um tiro na cachola.
O amante suspirante,
morreu aliviado.


F I M

terça-feira, janeiro 10, 2006

Raul da ferrugem marrom

O menino Raul (8 anos) foi encontrado desacordado pelos pais, às dezenove horas de ontem, caído no chão do banheiro de sua residência, no bairro nobre de São Conrado, Rio de Janeiro. Ele foi levado às pressas para um hospital na Barra da Tijuca, no qual chegou ainda com vida, vindo a falecer poucas horas depois. No laudo médico, a causa da morte é por hemorragia. Segundo os pais, Raul passou a ser constantemente importunado por colegas de escola devido a suas sardas, depois de sua professora ter recomendado um livro da escritora Ruth Rocha. O médico Luis Pinha, que recebeu o garoto no hospital se diz chocado com o ocorrido:
-- Ao que tudo indica, o menino se cansou da ferrugem e esfregou, esfregou, esfregou e morreu sangrando.
Raul será enterrado no cemitério São João Batista amanhã, às 15 horas. Ruth Rocha não deu declarações sobre o assunto.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Pontuais

Um monstro

Era uma vez um monstro que desejou ser um homem. Esse era um monstro muito esperto -- e também muito obstinado -- de modo que em pouco tempo já conseguira moldar seu corpo no feitio de um homem. "Agora sou um homem" pensou. E era uma pessoa completa: memso os dedos dos pés tinham unhas e ele não esquecera nem daquela carninha vermelha no canto dos olhos nem dos dentes lá de trás.

Parecia mesmo um homem completo. Mas que tipo de homem ele era? Isso ele ainda não sabia. Isso não tinha resolvido. Resolveu então o monstro -- já travestido de homem -- observar os homens. Com sua nova pela misturou-se às pessoas nas ruas e constatou feliz que seu disfarce não era percebido. Pôs-se a estudar os vários tipos de gentes, de modo a decidir qual melhor lhe servisse. "Sou um homem jovem" raciocinou, "não me cabem os modos de um velho ou de uma mulher."

Então, esquecendo-se de que não tinha pais (uma vez que não era uma pessoa de verdade) desejou ser um jovem de quem os pais se orgulhassem. Tornou-se então um amante do conhecimento, aplicou-se aos estudos e se fez um filho exemplar -- ou teria sido um filho exemplar se fosse filho de alguém que não ele mesmo. De todo modo, os mais velhos o admiravam e perguntavam a seus filhos por que não eram como o monstro. Mas os filhos, os jovens, esses não lhe davam importância e riam-se dele. Ele tinha o respeito dos velhos mas ele era um homem jovem e isso não bastava.

Então ele desejou ter amigos. E da mesma maneira que moldara seu corpo monstruoso na forma de um homem, ele agora moldaria seu caráter na forma de um jovem popular. Tornou-se assim festeiro e freqüentador dos mais diversos círculos. Fez inúmeros amigos e conquanto hoje os velhos o considerem má influência, os filhos destes o adoram e procuram sempre sua companhia. Se o monstro tivesse pais, eles estariam desconsolados.

Mas um dia também este brinquedo o cansará, como o cansaram outros. Pois antes de ser gente o monstro foi muitas coisas e nenhuma delas o satisfez por muito tempo. Muitas coisas o monstro já foi e muitas coisas será e o que lhe enfada é mesmo ser monstro. Mas destino do monstro é não ser coisa alguma. O destino do monstro é ser monstro.