quinta-feira, julho 27, 2006

Poemeto

Nem neve nem fogo podem me deter.
Não sou carteiro nem superman.
Nem man eu sou, e que dirá super.
Mas se super eu fosse, super mouse seria.
Se mouse eu fosse, analógica seria.
Se lógica tivesse, graça nenhuma teria.

terça-feira, maio 09, 2006

Andarilho: conchinhas

Na praia, os pés enterrados na areia. Na beira do mar, a água fria do amanhecer de inverno molhando suas calças. Longe do alcance das ondas, sentou na areia. Uma concha, perfeita, branca com manchas marrons. "Uma conchinha." Lembrou da mãe. "Você vê essa conchinha?" ela dizia. Ele fazia que sim e ela emendava. "Ah! mas você pensa que isso é uma conchinha. Mas isso não é uma conchinha!" "Não?" ele perguntava. "Não, é outra coisa" ela respondia piscando o olho. E isso ele nunca entendeu: se não era uma concha, por que ela dizia que era? Ela dizia, dizia "olha essa conchinha".

O sol já ia alto. "Deve ser umas nove horas." Sentiu no estômago um buraco e pensou que já era hora de levantar. Pegou a concha e guardou no bolso furado. Saiu da praia e ganhou as ruas. A cidade a esta hora já há muito acordara e ele preferia assim. Na cidade cheia ninguém olhava pra ele. Mais tarde, se a concha ainda estiver no bolso, ele a devolverá ao mar.

segunda-feira, abril 17, 2006

Andarilho

E quando, pela última vez, pelo que seria a última vez, pelo que era a última vez e dessa vez pra sempre até a próxima última vez. Quando pela última vez, pisando duro, as narinas infladas com ar decidido de que aquela seria sim a última vez, porque dessa vez vai dar certo, por isso é a última vez. Pisando duro, narinas infladas, peito pra fora, barriga pra dentro um dois um dois ordinário marche! Não, não era nada disso. Não marchava, andava, pisando duro, isso. Pisando duro nem aí pras formigas do chão, morrendo esmagadas a torto e a direito, nem aí pras pedras que machucavam seus pés descalços e a bem da verdade há anos não machucavam muito mesmo. A sola dura de tanto andar de pé. Antes ele tinha um tênis, mas furou o calcanhar, depois foi soltando a sola, depois soltou toda a sola e a sola ficou pra trás num passo que ele deu. Ficou engraçado: de tênis e pé no chão. Riu da lembrança. O riso descompassou a repiração, desinflou as narinas, tropeçou o passo duro, agora não mais duro só um passo, normal. Um passo normal, quase normal, não fosse ele estar descalço, uma pedrinha que outra mais pontuda.

sábado, março 25, 2006

Outro dia eu tive um sonho super significativo, só não sei o que ele significava.

Ontem foi foi cansativo. Quando eu acho que estou exausta eu lembro dos hobbits, e continuo andando.

Mas ainda acho que preciso de férias. Férias num paraíso tropical. Quando eu disse isso alguém falou "ué, mas já moramos num paraíso tropical." Quem foi o bastardo que me lembrou disso? Mas amanhã tem sol, são Pedro que não se engrace de fazer chuva. Vai lavar assoalho no meio da semana, sô!

quarta-feira, março 08, 2006

Porque eu não quero ter carro tão cedo

INTRODUÇÃO: As pessoas que andam de ônibus se divertem mais. Para muitos, é de um interesse quase sociológico observar os tipos humanos das janelas dos coletivos. Eu sou uma dos muitos.

DESENVOLVIMENTO I: Tem um tempo eu tava no ônibus quando vi um caminhão betoneira disfarçado de joaninha. E bem que ele achou que enganava todo mundo, o bobo. Isso foi na praia de botafogo. Daí outro dia eu tava no ôninus e vi uma tia vestida de fluminense, com meião e chuteira e tudo, e trazendo na coleira um galo com uma capinha fluminense toda de lantejoulas. Isso foi em Copacabana. Tem uma tia que se veste só de rosa, vejo sempre num ponto de ônibus da São Clemente, deve ter uns 65 anos, toda de rosa bebê. Sapatinho rosa, vestidinho rosa, lencinho rosa, batom rosa, blush rosa, sombra de olho rosa. Já peguei duas vezes ônibus no Jardim Botânico e tinha um tiozão tocando sanfona, rindo que nem um bobo. Da última vez quando eu entrei ele tocava Material Girl pruma menina bunkerzinha bêbada que saltou, toda felizona, na Gávea. O tio disse que tem página no orkut, "sanfoneiro do ônibus", mas eu ainda não procurei.

DESENVOLVIMENTO II: Hoje, foi hoje? acho que foi, hoje eu vi um outdoor grandão com dois moços quase beijando. Era anúncio de lubrificante. Bonitos, os moços. Alguém mais viu? Aliás, hoje de manhã entrou um menino de saia no meu ônibus. Maior carinha de nerd e um saiote xadrez. Isso em Ipanema. Lembrei dum amigo que andava de ônibus contando os travestis da glória. Aliás, hoje também eu vi um padre tão troncho que eu pensei: um maluco de camisola branca! Depois do menino de saia, nunca se sabe. Mas era um padre. Vai ver o nerdinho de saia vira padre, quem sabe?

CONCLUSÃO: Por tudo isso conclue-se que as pessoas que andam de carro ou metrô se divertem menos e são mais estressadas.

terça-feira, janeiro 31, 2006

Era uma vez

Era uma vez uma joaninha, tão matreira e catita.
Era alegre e saltitante, o pequenino mutante.
Toda preta como a seda, mas vermelha como o leão.
Um inseto que voava, em meio à multidão.
Voava mas não nadava, ó triste sina, coitada.
Caiu num copo de leite, e assim morreu afogada.

---XXX---

Era uma vez um reinado,
num país muito distante,
onde morreu afogado
um inseto saltitante.

Era rico o reino,
e rico era o rei,
mas cá pra nós, só em segredo,
eu acho que o rei era gay.

---XXX---

Era uma vez um amante,
que amava o seu amado,
e de tanto amar e ser amado
ficou com dor de cabeça.

Seu amor, desesperado,
para acabar com a chorumela
de seu viado amado
deu-lhe um tiro na cachola.
O amante suspirante,
morreu aliviado.


F I M

terça-feira, janeiro 10, 2006

Raul da ferrugem marrom

O menino Raul (8 anos) foi encontrado desacordado pelos pais, às dezenove horas de ontem, caído no chão do banheiro de sua residência, no bairro nobre de São Conrado, Rio de Janeiro. Ele foi levado às pressas para um hospital na Barra da Tijuca, no qual chegou ainda com vida, vindo a falecer poucas horas depois. No laudo médico, a causa da morte é por hemorragia. Segundo os pais, Raul passou a ser constantemente importunado por colegas de escola devido a suas sardas, depois de sua professora ter recomendado um livro da escritora Ruth Rocha. O médico Luis Pinha, que recebeu o garoto no hospital se diz chocado com o ocorrido:
-- Ao que tudo indica, o menino se cansou da ferrugem e esfregou, esfregou, esfregou e morreu sangrando.
Raul será enterrado no cemitério São João Batista amanhã, às 15 horas. Ruth Rocha não deu declarações sobre o assunto.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Pontuais

Um monstro

Era uma vez um monstro que desejou ser um homem. Esse era um monstro muito esperto -- e também muito obstinado -- de modo que em pouco tempo já conseguira moldar seu corpo no feitio de um homem. "Agora sou um homem" pensou. E era uma pessoa completa: memso os dedos dos pés tinham unhas e ele não esquecera nem daquela carninha vermelha no canto dos olhos nem dos dentes lá de trás.

Parecia mesmo um homem completo. Mas que tipo de homem ele era? Isso ele ainda não sabia. Isso não tinha resolvido. Resolveu então o monstro -- já travestido de homem -- observar os homens. Com sua nova pela misturou-se às pessoas nas ruas e constatou feliz que seu disfarce não era percebido. Pôs-se a estudar os vários tipos de gentes, de modo a decidir qual melhor lhe servisse. "Sou um homem jovem" raciocinou, "não me cabem os modos de um velho ou de uma mulher."

Então, esquecendo-se de que não tinha pais (uma vez que não era uma pessoa de verdade) desejou ser um jovem de quem os pais se orgulhassem. Tornou-se então um amante do conhecimento, aplicou-se aos estudos e se fez um filho exemplar -- ou teria sido um filho exemplar se fosse filho de alguém que não ele mesmo. De todo modo, os mais velhos o admiravam e perguntavam a seus filhos por que não eram como o monstro. Mas os filhos, os jovens, esses não lhe davam importância e riam-se dele. Ele tinha o respeito dos velhos mas ele era um homem jovem e isso não bastava.

Então ele desejou ter amigos. E da mesma maneira que moldara seu corpo monstruoso na forma de um homem, ele agora moldaria seu caráter na forma de um jovem popular. Tornou-se assim festeiro e freqüentador dos mais diversos círculos. Fez inúmeros amigos e conquanto hoje os velhos o considerem má influência, os filhos destes o adoram e procuram sempre sua companhia. Se o monstro tivesse pais, eles estariam desconsolados.

Mas um dia também este brinquedo o cansará, como o cansaram outros. Pois antes de ser gente o monstro foi muitas coisas e nenhuma delas o satisfez por muito tempo. Muitas coisas o monstro já foi e muitas coisas será e o que lhe enfada é mesmo ser monstro. Mas destino do monstro é não ser coisa alguma. O destino do monstro é ser monstro.