quarta-feira, outubro 17, 2007

23/04

Não é que estivesse tão escuro; não estava. Era noite de lua e as árvores são já bastante esparsas naquela área. Ainda assim ele não viu, e foi só quando ouviu o riso desvarairado e sentiu em si o hálito podre que deu pela presença do demônio. Ainda tentou fugir, mas então já era tarde e ele era um cavalo. Não soube do que aconteceu depois, e foi só quando mais tarde lhe contaram o ocorrido que tomou ciência de tudo e se pôs a tremer e desesperar. Os caminhos do cavalo não é possível saber. Há quem jure ter ouvido sons de galope, mas esses foram moradores dos ermos e esses são um povo imaginativo com crenças no sobrenatural e portanto não se pode lhes dar crédito.

Então o cavalo apareceu na praça. Toda vila tem uma praça onde os velhos vão durante o dia e os jovens vão durante a noite. Os jovens essa noite eram poucos e se espalhavam aos pares pelas sombras. Assim foi, que apenas a menina viu tudo quando aconteceu. Viu o cavalo que coiceava chutando o ar, ensandecido como sem ver por onde ia, a galope pelas ruas de terra batida. Viu, jura que viu, os olhos de fogo da besta e todos sentiram o cheiro do enxofre. Viu a lua aparecer e sentiu lhe gelarem os ossos ao ouvir o uivo, aquele uivo medonho de besta ferida. E o uivo vinha da praça, do coreto da praça. Então foi o caos e todos corriam e todos gritavam; namorados se tropeçavam na pressa da fuga e a menina, que estava na praça para que sua irmã não ficasse falada, se viu de repente só. E é por isso que só a menina viu aquele animal gigantesco surgir, como que do nada, no coreto da praça da cidade. E foi só ela que viu o homem que nele montava, e era o homem quem uivava. Como se perseguisse o cavalo, o animal monstruoso de um pulo desceu do coreto e saiu desabalado pelas ruas, sempre com aquele homem a uivar em seu lombo.

A madrugada se passou em um silêncio que não parecia natural e a manhã veio encontrar a cidade amedrontada. Janelas e portas cerradas e o povo assustado espiando as ruas pelas frestas das madeiras. E pelas frestas viram o cavalo, já não mais um cavalo, agora de novo só um homem. O homem caminhava pela cidade trêmulo, trôpego como se estivesse bêbado. Por fim, vendo que o perigo passara, as pessoas sairam às ruas e lhe ofereceram água e uma cadeira à sombra. Disseram que ele se sentasse e que contasse sua estória. Mas o homem estava cansado e dizia coisas desconexas e foi só com a ajuda da menina que se descobriu a verdade. O homem que uivava era o próprio Jorge a quem chamam santo. Com sua montaria fantástica, ele desceu de sua casa que fica no céu para derrotar o demônio no cavalo. Disseram então na cidade que o santo os salvara a todos, e aquele dia recebeu seu nome e é um dia de júbilo e salvação.

Um comentário:

Anônimo disse...

nhooo vc linkou o Sardas, e o Codex e o Coisa de Acender. sempre me sinto ridícula quando escrevo barulhos meigos, num sei pq continuo. num li o texto aqui ainda não que tô no lab. depois comento.