quarta-feira, outubro 24, 2007

Rotina

Ele olha o relógio na parede. Cinco horas, é hora. Desliga a televisão, apaga a luz e acende o abajur da escrivaninha. A escrivaninha ainda arrumada, como a deixara ontem e antes de ontem e antes de antes de ontem. Os papéis em branco do lado direito, os escritos o lado esquerdo, no centro a máquina. No canto, ele põe a garrafa térmica e o copo. Puxa a cadeira com um gemido que é quase um suspiro.

Ele é velho, lhe disseram que está velho. Não precisava que dissessem, ele sente em seus ossos que doem, nas mãos que tremem, nos olhos que precisam de cada vez mais luz para ver cada vez menos. Ele é velho mas sabe que ainda não terminou. Talvez hoje.

Senta-se diante da máquina e arruma o papel ainda em branco no mesmo gesto mecânico de tanto tempo. Ajeita no rosto os óculos e toma um gole do café preto. Suas mãos não tremem mais; a máquina é o seu lugar. Cada página escrita é posta na pilha do lado esquerdo. Ele escreve porque precisa, porque entendeu há anos que é o que deve fazer, porque ele é o único que conhece a estória, a verdadeira estória. Ele escreve para que a estória não morra com ele.

Um comentário:

Naomi Conte disse...

eu leio para que o conto não morra com ela :-)