quinta-feira, maio 31, 2007

Duas idéias pontuais e um haickai

1.
Um homem descobre - de algum modo - que pode voar, desde que se atire da terceira janela da esquerda para a direita, do décimo nono andar da torre do Rio Sul. Mas nunca tem coragem de testar.


2.
Há várias gerações, uma família tem o hábito de deixar um pedaço de fumo na janela de casa, todas as noites. As crianças desta família aprendem que isto é importante. Crescem, casam-se, têm filhos e os ensinam a pôr sempre à noite um pedaço de fumo na janela de casa. Ninguém sabe pra que serve o fumo, mas sempre na manhã seguinte ele desapareceu - todo ou em parte.

Talvez o saci pegue o fumo. Talvez seja um trato antigo.

Uma pessoa da família - ou melhor, um estranho - pode resolver ficar acordada para assistir, alguma vez, o desaparecimento do fumo. Talvez isso tenha conseqüências. Melhor: só tem conseqüências para a família e talvez a pessoa não veja nada. Mas a família - horrorizada com o desrespeito ao trato - cai em ruína, pois seria essa a punição combinada, segundo a tradição oral da família. Não fica claro se a ruína é ou não causada pelo descumprimento do trato. Mas nas noites seguintes àquela, o fumo deixa de sumir da janela. É renovado todos os dias e todas as manhãs se encontra intacto.


3.
O frio me dasanima.
Eu queria
poder hibernar no inverno.

terça-feira, maio 08, 2007

O príncipe

Era uma vez um reino, uma cidadela, um forte em uma montanha. O príncipe era belo e altivo, não tinha um braço e era sujo, era de barro vermelho e seco, era uma idéia. Havia um mestre, um nobre palaciano, um mentor, que levou o príncipe um dia à caverna. Na caverna havia um lago, um abismo, um precipício com uma queda para o mar, e havia uma mesa e quatro cadeiras. Em três cadeiras o mentor se sentava e ele era caolho e vil, era de barro vermelho, era uma idéia. Ao ver a cena, o príncipe compreendeu e se entristeceu. Mas não fugiu, pois era um príncipe, e fez o que devia ser feito. O mestre levou o príncipe até a beira do lago, do precipício, do abismo. Com um último olhar para a mesa, o príncipe se preparou. Enquanto caía lembrou-se de que não tinha braço e não poderia nadar, era de barro e ia se desfazer, era uma idéia caindo num poço sem fundo.